Para o Judaísmo o oito significa começar de novo. Depois de seis dias de criação e de um de descanso Deus retomou o seu trabalho ao oitavo. Para mim é também tempo de recomeçar, na minha oitava e última semana. Tempo de regressar a Portugal mas já cheio de saudades.
Dos meus amigos, dos meus colegas de Ulpan, dos sumos do Boulevard Ben-Gurion, das corridas na Promenade junto à praia, dos restaurantes de Neve Tsedek, do Café Michal na Rua Dizengoff, do teatro Habima e da sua renovada praça, das conversas intermináveis que misturam política e religião e geografia, da intersecção entre o Boulevard Rothschild e a Rua Mazeh onde me apaixonei por esta/nesta Terra, das visitas ao Bauhaus Center, do cão doido da loja de animais no "merkaz hair", das viagens a Jerusalém no 480, de toda a cidade de Jerusalém, das horas passadas no Helena Rubinstein Pavillion a ver os vídeos da Yael Bartana, do mercado HaCarmel, de sonhar ter uma casa na Rua Balfour, dos banhos nocturnos na água quentíssima do Mar Mediterrâneo, de observar os detalhes da moda das raparigas ortodoxas, das massagens da Rua Frishman, do falafel da Shlomo Hamelech, das noites de Jaffa, do cheiro dos piqueniques de judeus e árabes no Jardim Charles Clore, dos gatos do Boulevard Chen, de comer melancia com feta, de beber café gelado, de escrever nas esplanadas da Rua Shenkin, de ouvir falar a maravilhosa e melódica língua Iídiche nas ruas, de não me cansar de ouvir falar e cantar em Hebraico, do calor das tardes na Praça Rabin, de andar nos taxis-sherut... Esta lista é infinita. Poderia escrever mais oito crónicas só a enunciar o que já me faz falta aqui.
Regresso em breve certamente. Até porque não tenho escolha. De tudo o que aprendi nesta viagem, entre as lições de hebraico, a informação recolhida para a minha tese de mestrado, a pesquisa e a escrita para o espectáculo que vou estrear brevemente no Centro Cultural de Belém, das histórias que ouvi, de todos os museus que visitei, acho que o maior feito foi ter aprendido a não conseguir viver sem Israel.
Ainda assim perguntam-me porquê. Porquê Israel, se não sou judeu? Porquê hebraico quando é tão difícil e há tão poucos falantes no mundo? Porquê viver em Telavive se é uma das cidades mais caras do mundo? Porquê estar numa zona de conflito quando se vive a paz na Europa? Porquê comprar guerras com os eternos desinformados, cegos e surdos, para quem demonizar Israel é tão natural como respirar, quase sempre por desconhecimento e por uma agenda demasiado blindada.
Israel deu-me a verdadeira experiência do Outro, obrigou-me a reposicionar. Conhecer, compreender e admirar o judeu, o diferente igual a mim, obrigou-me a sair do meu círculo, a refazer as minhas ideias, a relativizar as minhas convicções. E isso é impagável. Israel, uma das chaves para perceber a minha herança cultural ocidental europeia, assunto que tanto me interessa, deu-me uma lição de maioridade. George Steiner escreveu que "ser europeu é tentar negociar, moralmente, intelectualmente e existencialmente, os ideais, afirmações, praxis rivais da cidade de Sócrates, Atenas, e da cidade de Isaías, Jerusalém."
A outra chave, Atenas, está ainda por descobrir. Suponho que seja essa a ordem natural, primeiro os "imperativos da fé e da revelação", depois os "imperativos absolutos da razão científico-filosófica".
Outros elementos definidos por Steiner e que confirmam a nossa identidade europeia encontro-os aqui em Telavive, paradigma da Europa "fora-de-si", musculada física e intelectualmente. Primeiro Telavive cidade dos cafés, espaço de troca e criação onde se lê, escreve e discute política, filosofia e literatura. Em segundo lugar a geografia: Telavive cidade pequena e ergonómica, de distâncias domesticadas por onde se caminha e se corre, de Jaffa até à Marina, em poucos minutos. Em terceiro o passado e o presente, aqui reunidos como em sítio nenhum do mundo. Viver aqui é habitar uma cidade tão nova que parece que tem 5000 anos: novos prédios que estão imbuídos de história antiga, situados em ruas com nomes de poetas, escritores, estadistas e heróis.
Se ser europeu é um "conto de duas cidades", um conto entre a Grécia e Israel, entre helenos e judeus, dois pais tão distintos mas sem os quais a criança não se consegue identificar, viver em Israel é religar este esquema primordial, restaurar um vaso partido. E por isso não posso deixar de voltar.
Mas se o caminho "para Jerusalém" está iniciado e o de Atenas por fazer, na onomástica pessoal passa-se o oposto. Tenho um nome de baptismo bastante grego, Pedro, a rocha, a força. Faltava encontrar um judaico para completar a equação.
Comecei estas crónicas por enunciar que vim aqui desta vez procurar a minha voz hebraica. E se é certo que o meu comando de hebraico melhorou como nunca, ainda estarei a algumas lições de poder ser um falante. Mas uma palavra mencionada numa das aulas deu-me um nome, e tal como eu nomeei esta crónica segundo uma famosa canção pop, continuando na mesma senda, também o nome próprio masculino Oz, força, me soou apropriado. "There's no place like home", wherever that is...
Termino por aqui e por agora as crónicas da Terra de Israel, paraíso para ficcionistas e realistas. Obrigado a todos os que me leram e à Embaixada de Israel em Portugal pela oportunidade e liberdade.
Pedro Penim
Telavive, 30 de Agosto de 2012