Semana 1

Semana 1 - ULPAN

  •    
    Ulpan
  • icon_zoom.png
    Pedro Penim no curso do Ulpan Pedro Penim no curso do Ulpan
     
     
  •  
  • ULPAN

  •  
    ​Quando vim a Israel pela primeira vez em 2010 o meu interesse profundo por esta realidade, por esta geografia e por esta história revelou-se de uma forma tão premente, e tão inesperada, que tive de voltar rapidamente, para estudar, ler, experienciar... No fundo viver Israel como um português apaixonado.
    Esta aproximação difícil de explicar, porque independente de uma agenda imediatamente identificável e reconhecível, teve em mim um qualquer efeito revolucionário que, dados os diversos particularismos da imensidão de questões que esta terra (no sentido mais lato do termo) levanta, me reposicionou enquanto homem e enquanto artista e tem, desde então, servido de alimento e inspiração para o meu trabalho no teatro e nas artes em geral.
    Serve esta introdução para dizer que a convite amigável e generoso do Lior Keinan e da sua equipa da Embaixada de Israel em Lisboa vou escrever, até ao fim de Agosto, pequenas crónicas semanais onde darei conta da forma como a minha retina, a minha mente, os meus ouvidos, a minha pele, e (porque não?) o meu paladar interpretam este país, onde aprendi a sentir-me como em casa. Mas uma daquelas casas onde se discute tudo e mais alguma coisa, onde se exercita intensamente a mente e corpo, onde os membros da família nem sempre concordam, nem sempre se amam, mas uma casa onde não vivo um segundo de aborrecimento, uma casa em construção permanente, quer na sua existência enquanto estado democrático e independente, quer na minha cabeça enquanto objeto de pesquisa e afecto.
    Desde que comecei a minha "relação" com a cultura israelita e judaica, aproximação essa que já tem adquirido as mais diversas formas (desde viagens, a textos, a espectáculos de teatro) sempre soube que um passo fundamental seria a aprendizagem da língua, elemento fulcral na criação do estado de Israel e mecanismo primordial para a união dos judeus neste lugar.
    Comecei então, timidamente, a ter aulas de hebraico em Lisboa, na comunidade israelita, com o professor Júlio Engelstein onde, ao ritmo possível de um mergulho determinado porém consciente da dificuldade que significa compreender e falar uma língua estrangeira  tão afastada do português, tenho sido introduzido no fascinante e complexo mundo da língua modernizada por Ben Yehuda na passagem do século XIX para o século XX.
    Assim serve a actual viagem a Israel, entre muitas outras coisas, para tentar levar mais longe essa aprendizagem, sendo que para isso me inscrevi no Ulpan Gordon, na Rua Lasalle em Tel Aviv, onde durante dois intensos meses andarei à procura da minha voz hebraica.
    Os Ulpanim são o produto de um conceito iniciado pouco depois da formação do estado de Israel, um mecanismo muito bem sucedido de instrução para alargar a toda a população, sobretudo aos enormes fluxos de imigração da altura, o conhecimento do hebraico e que já serviu de modelo para a proteção de outras línguas ameaçadas como o Galês ou o Azeri.
    Depois de um teste inicial, que serviu para se aferir qual o meu grau de conhecimento da língua, colocaram-me numa turma que já se tinha iniciado há algum tempo, composta por gente de proveniências tão distintas como as realidades antropológicas deste país: desde alguns "olim chadashim", os novos imigrantes judeus vindos sobretudo do leste da Europa (Rússia, Bielorrússia, Moldova) e de França, passando por alguns asiáticos (China, Singapura, Filipinas), e também por diversos não-judeus do Ocidente (os goyim) que, por dezenas de distintas razoes, sejam profissionais ou amorosas ou religiosas ou académicas, completam uma verdadeira reunião de nações e línguas onde, por entre as palavras em hebraico que todos queremos assimilar se ouve o espanhol, o alemão, o sueco, o inglês, o português...
    Cada um destes alunos traz consigo uma história para Israel, de certa forma copiando o movimento feito por todos aqueles que foram aqui chegando no século passado e que fizeram das suas histórias pessoais de judeus na diáspora (muitas delas de um sofrimento inimaginável) a história moderna deste país. Alguns destes "talmidim", destes pretendentes a falantes de hebraico, querem cá ficar e serão certamente contribuintes para a escrita da história de Israel, outros quererão aproveitar o melhor possível a sua estadia, mas todos revelam o que muitas vezes se desconhece fora destas portas: que Israel está, e sempre esteve, a anos luz de distância da ideia de uma realidade unívoca e monolítica. Israel é o espelho de uma sociedade com uma geografia humana diversa, surpreendente e sujeita a mutações e influências positivas vindas das mais diversas latitudes. Um estado judeu aberto ao mundo e a quem lhe quer bem.
     
    Pedro Zegre Penim
    Encenador, actor, dramaturgo
    Telavive, 12 de Julho de 2012