Semana 2

Semana 2 - Verão Quente

  •    
    Verão Quente
  • icon_zoom.png
    Praça Rabin em Tel-Aviv Praça Rabin em Tel-Aviv
     
     
  •  
  •  
    ​Nunca tinha estado em Israel no verão. As minhas viagens anteriores foram sempre em meses que só o nome faz lembrar frio e chuva, como Março, Novembro ou Dezembro. Ainda assim apanhei temperaturas que sempre me fizeram imaginar que se vive aqui um verão perpétuo e, para inveja de muitos, aproveitei nesses meses de frio europeu óptimos dias de praia em Telavive, no Mar Morto, em Acco... O Inverno israelita sempre foi para mim um conceito muito apetecível, para mais quando os verões portugueses se têm tornado visivelmente mais instáveis e quando a seis horas de voo de Lisboa há um destino que permite fugir dessa realidade.
    Quando decidi passar esta temporada em Israel nos meses mais quentes (Julho e Agosto), os avisos não se fizeram esperar. Amigos israelitas tentaram por todas as vias prevenir-me da elevada humidade, das elevadas temperaturas, de como pode ser sufocante o ar por estas paragens e de como o calor se torna muitas vezes incapacitante.
    Sempre pensei que exageravam, ainda que me fosse lembrando dos relatos de David Ben-Gurion e dos seus últimos anos no kibbutz de Sde Boker, do calor que queimava a pele e quase não deixava pensar, contrariando a sua vontade férrea de tornar o deserto israelita numa fonte de riqueza, permitindo ao seu povo um novo começo e usando o deserto como uma simbologia do terreno difícil e árido que seria necessário dominar e encher de vida. Com altos e baixos Ben-Gurion conseguiu inspirar a implementação de uma importante universidade em Beersheva, a chamada Universidade Ben-Gurion do Negev, também por sua causa surgiram novas e importantes cidades e o deserto é hoje um marco na paisagem e na identidade israelita. Assim sendo, seguindo os passos do "old man", pensei que também seria homem para dominar o calor que me esperava, sendo que Telavive não é o Negev e que a minha experiência de residências artísticas em Montemor-o-Novo no Espaço do Tempo do coreógrafo Rui Horta, sob o sol assassino de Agosto do Alentejo, me ajudariam a passar esta prova.
    Chegar cá provou que a experiência nem sempre conta, e que os falantes de Latim sabiam o que diziam quando proferiam a expressão mutatis mutandi. A humidade e o calor obrigam-me a vários banhos diários, o que para um país com tanta falta de água não se pode dizer que eu esteja a ser um benfeitor, e a várias máquinas de roupa para me manter apresentável.
    Mas a tudo o corpo se habitua e, passados já doze dias da minha chegada a Israel, trato o calor e a humidade por tu, ainda que os israelitas digam que nunca ninguém se habitua a esta dupla feroz. Foi também por causa deles que fiz aqui um melhor amigo, o ar condicionado, o famoso "mazgan". Com este bom amigo aprendi a expressão, que imagino tenha origem na típica ironia telaviviana, "não há mazgan, não há vida".
    Numa semana em que a sociedade israelita voltou a aquecer em ânimos, medos e indignação (e em que semana isso não acontece?), todos seguimos com angústia o drama de Moshe Silman, que se junta a uma triste galeria de homens que se auto-imolaram reivindicando em prol duma vida melhor; do cobarde atentado terrorista em Burgas, na Bulgária e da inacção da Alta Comissária para os Direito Humanos das Nações Unidas e a sua demora a condenar este acto; das renovadas trocas de acusações entre o executivo de Benjamin Netanyahu e o governo do Irão, com promessas de "fortes reacções".
    Por aqui tudo vai aquecendo. Fervemos por tudo e por nada. Outros sóis, noutras paragens próximas, torram as ideias de quem nos quer atacar. A pressão do calor muitas vezes provoca explosões fazendo vitimas inocentes, como os que só se queriam refrescar nas águas plácidas do Mar Negro...
    Na Praça Rabin em Telavive, um espaço tão árido mas tão bonito como um deserto, uma artista plástica instalou uma ventoinha azul de seis metros, a ventoinha israelita Star de design dos anos 60, justamente na praça onde a maioria dos protestos ocorrem nesta cidade. Quererá ela acalmar o calor tórrido do verão israelita com um gigantesco e antiquado "mazgan" que possa tornar a vida mais cool, convidando assim a um mojito em Gordon Beach para esquecer o elevado aquecimento social? Seja como for a ventoinha concebida por Tal Tenne-Czaczkes oferece uma brisa, a cada meia hora, e durante dois minutos o "mazgan" low-tech permite-nos respirar um ar fresco para depois seguir novamente caminho por entre todos os tipos de calor que esta terra proporciona.
     
    Pedro Zegre Penim
    Encenador, actor, dramaturgo
    Telavive, 19 de Julho de 2012