Semana 6

Semana 6 - Mascarada

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    Mascarada
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    ​Apesar de já conhecer bem todos os cantos de Telavive e de considerá-la a minha "segunda casa" (ou será que esse título é agora de Lisboa?) nunca tinha ido ao Teatro Habima, um dos teatros nacionais, verdadeiro marco da história e da cultura de Israel. Inaugurada no principio do século XX em Moscovo, onde sofreu perseguições do regimes czarista e soviético, a companhia acabaria por emigrar para o Mandato Britânico da Palestina em 1928 e sediar-se-ia em Telavive, onde até hoje persiste no seu trabalho em favor da divulgação do teatro israelita e da perpetuação da língua hebraica e da sua cultura.
    Assisti na passada segunda-feira, a convite amigável de Gadi Bar-Oz, um dos programadores, a uma encenação da peça A Visita da Velha Senhora de Friedrich Dürrenmatt, protagonizada pelos veteranos Gila Almagor e Yehoram Gaon e encenada por Ilan Ronen, um dos nomes de maior destaque da cena teatral israelita e actual director da UTE, Union des Théâtres de l’Europe.
    É também deste encenador a versão de O Mercador de Veneza de William Shakespeare que em Abril deste ano a companhia apresentou em Londres no Globe Theatre. Esta peça polémica, que por coincidência foi recentemente encenada por Ricardo Pais no Teatro de Almada e em cuja produção interpretei o papel do complexo e apaixonado Bassânio, encerra diversas possibilidades de leituras anti-semíticas que têm sido discutidas ao longo dos anos pelos críticos e que a têm tornado ora numa peça apetecível ora numa peça maldita.
    A sua apresentação, em hebraico, no Shakespeare's World Festival revestiu-se de uma enorme comoção, não só pela surpresa da escolha da peça em questão, compreensivelmente pouco popular por aqui, mas também porque diversas associações pro-palestinianas saíram em protesto contra a presença do Habima neste festival. Numa das apresentações vários protestantes infiltrados entre o público mostraram cartazes durante a representação pedindo o boicote às manifestações culturais israelitas, tendo sido expulsos do teatro durante o espectáculo. Nada disto é novidade para os artistas israelitas, habituados que estão a lidar com um boicote cego à heterogeneidade desta sociedade, aos seus plurais valores democráticos bem como à forte intervenção que muitos artistas israelitas têm no que diz respeito ao Conflito.
    Uma das razões para a existência de tais protestos é a colaboração activa do Teatro Habima com o Heichal Hatarbut Ariel, um centro cultural num colonato judaico no West Bank, considerado ilegal pela maior parte da comunidade internacional.
    Há dias atrás atrevi-me a visitar Ariel e o seu centro cultural, já que me estou a ocupar da peculiaridade da sua génese e do seu funcionamento para a minha tese de mestrado em gestão cultural. Ariel é um dos primeiros colonatos, cidade erigida em 1978 e que conta hoje em dia com pouco menos de 20000 habitantes e que fica 17 km para leste da chamada Linha Verde. Num futuro cenário de paz com os palestinianos é incerto o futuro desta cidade e deste centro cultural, que para além do boicote internacional conta também com o boicote de algumas personalidades importantes das artes e da cultura israelita. Dirigido pelo diligente e aparentemente pouco politizado Ariel Turgemann, este centro apresenta uma programação regular onde os espectáculos mais emblemáticos do ano são apresentados, incluindo os do teatro Habima, bastião de uma certa ideia de cultura sionista laica de cunho socialista.
    As contradições ideológicas são um produto das pressões económicas e da redefinição política das estruturas culturais, cada vez mais dependentes do poder central. Aqui como em Portugal é esse o caso.
    De volta a Telavive apercebo-me que se começaram a distribuir máscaras.
    Mas não são as máscaras venezianas da versão do Habima do Mercador de Veneza, usadas por jovens cristãos em festa que aproveitam a ocasião para cuspir e bater no velho judeu Shylock, uma cena inventada pelo encenador e que abre o espectáculo e justifica a voracidade por sangue do anti-herói desta drama Shakespeareano. O que se distribui em Telavive são máscaras de gás, sinal preocupante que a iminência de uma guerra com o Irão pode estar para chegar.
    Este cenário faz as manchetes de parte da imprensa israelita. O diário Yediot Aharonot escreve que Israel "não está pronto" para uma guerra com o Irão, sublinhando que "metade dos israelitas não tem máscaras de gás".
    A mascarada prossegue, aqui na terra "all the world's a stage".
     
    Pedro Penim
    Telavive, 16 de Agosto de 2012