Semana 4

Semana 4 - Jejum

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    Jejum
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     : Pedro Penim
     
     
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    ​Atrevo-me finalmente a deixar Telavive. É assim que se deve tratar "a bolha", deixá-la por uns dias para voltar depois cheio de fome da sua vibração e do seu carisma.
    Atiro-me no fim-de-semana em direcção ao Mar Morto, onde o simples acto de respirar queima a garganta. As estradas israelitas levam-me para Sul por um percurso sinuoso, mas a chegada ao famoso mar interior, vindo das montanhas e deixando para trás a cidade de Arad, oferece-me um momento glorioso: um festim imagético em azul e rosa para os meus olhos, como se me tivessem colado à retina um dos mais populares filtros do Instagram. As montanhas da Jordânia surgem imponentes à frente do mar a que os israelitas chamam o Mar do Sal, que é o elemento que permite a quase todos os turistas que aqui vêm a mais clássica das fotografias: corpo a flutuar com jornal nas mãos.
    Como não sou inimigo do cliché tiro a dita fotografia. Mas como sou grande amigo da desatenção esqueço-me do exemplar do jornal Haaretz, cujo destino como adereço para imortalizar o momento já estava marcado. Fica assim incompleta e adiada a promessa.
    As famílias israelitas que enchem os hotéis de Ein Bokek parecem ignorar por completo este milagre da Natureza que é o Mar Morto (que se vai mantendo graças a muita imaginação humana) e mostram-se mais interessadas nas piscinas, no convívio e nas refeições abundantes que os regimes de pensão completa permitem. E é entre atropelos, decibéis elevados, animadores de espectáculos de telepatia, rezas diversas, diligentes mães de família que amealham toda a comida que conseguem para os seus, crianças lambuzadas de gelado de chocolate e um intenso cheiro a borrego que passo o meu jantar de Shabat nesta "bacia endorreica" que muitos crêem que banhava as míticas cidades de Sodoma e Gomorra.
    Jerusalém é a paragem seguinte. Não se pode dizer que a minha relação com esta cidade tenha sido um amor à primeira vista. Em Jerusalém sente-se o peso da história, da religião, da cultura e das armas em cada partícula que paira no ar, peso esse que nas primeiras visitas cri demasiado mas que fui aos poucos transformando num polo de atracão. Hoje posso dizer que sou grande devoto da cidade que todos cobiçam "completa e unida".
    Chego a Jerusalém ainda em pleno Shabat, mas numa das raras ocasiões em que o período de descanso judaico coincide com o Tisha Be'Av, o dia do luto e do jejum que assinala alguns acontecimentos trágicos do Judaísmo. Sempre que tal acontece passa o jejum para o Domingo, para o décimo dia do mês de Av, mantendo-se intacto o Shabat.
    Sempre me fascinou este dia e sempre quis passá-lo em Israel. Os feriados portugueses, mesmo tendo alguns origem em supostos acontecimentos menos felizes, são todos celebratórios e comportam sempre algum momento festivo. O Tisha Be'Av é um feriado do luto, da tristeza, da destruição dos dois templos e de outras calamidades da história antiga e contemporânea dos Judeus.
    Passá-lo em Jerusalém, visitar o Muro das Lamentações, observar o comportamento de toda a cidade (coincide também que decorre o Ramadão) atinge uma dimensão inesperada. O silêncio que se vive nas ruas durante todo o dia do jejum contrasta com o afã das orações, com o fervor com que se lamentam os acontecimentos calamitosos do passado.
    E assim que o Sol se põe, desta vez na noite de Domingo, Jerusalém acorda para os prazeres e retoma a vida de todos os dias. Em cada um destes novos dias acrescentar-se-ão novas narrativas à narrativa geral da cidade, que vai ficando cada vez maior, quando na verdade foi desde sempre incomensurável. Acaba assim o jejum e recomeça o festim, de realidade e de ficção.
    Regresso a "casa" e dou também por encerrado o meu jejum. Cheio de sede e de fome de Telavive vejo finalmente a hora de repor as calorias perdidas. E como não há fome que não dê em fartura antevejo para breve outras saídas da "bolha".
    O Tisha Be'Av acabou mas Israel continua em jejum... Jejum de medalhas olímpicas que parecem teimar em não aparecer. Mas esta é uma narrativa de fome que quer o meu país de acolhimento estival quer o meu país de origem parecem conhecer bem e partilhar. Esperemos então pelos dias de fartura, já que o acto de esperar é tão judeu quanto português.

    Pedro Penim
    Telavive, 2 de Agosto de 2012