SG Guterres recebe Prémio Theodor Herzl

SG Guterres recebe Prémio Theodor Herzl

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    ​António Guterres foi, no passado dia 9 de Novembro, homenageado pelo Congresso Mundial Judaico (WJC), pelos seus esforços para acabar com o preconceito anti-Israel, desde que assumiu o cargo de secretário-geral das Nações Unidas há quase quatro anos.
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    Secretário-Geral António Guterres Secretário-Geral António Guterres : WJC
     
     

    Foi durante uma gala virtual que Ronald Lauder, presidente do WJC, informou que Guterres, "um verdadeiro e devoto amigo do povo judeu e do Estado de Israel", receberá o Prémio Theodor Herzl deste ano por contribuir para mudar a "fixação bizarra" da ONU com o Estado judaico. Desde 2006 e de acordo com a UN Watch, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou 160 resoluções condenando países individuais, 90 destas contra Israel. A Assembleia Geral da ONU aprovou 132 dessas resoluções, 96 contra Israel. Para Guterres foi uma "grande honra" receber a homenagem, confessando que "a luta contra o anti-semitismo é profundamente pessoal". E acrescentou que "um dos capítulos mais sombrios da História de Portugal foi a discriminação e perseguição dos judeus durante a Idade Média".

     

    Leia aqui o discurso do Secretário-Geral das Nações Unidas na íntegra:

    «Sr. Lauder, Caros amigos,

    Vou começar por agradecer ao Dr. Kissinger as suas amáveis palavras. Sucessivos Secretários-Gerais das Nações Unidas têm beneficiado das suas perspectivas sobre os assuntos mundiais.

    Aproveito para congratular o lendário Zubin Mehta por receber o Prémio Teddy Kollek for the Advancement of Jewish Culture. Com o Prémio Theodor Herzl, o Congresso Mundial Judaico concedeu-me uma grande honra.Vejo-o como mais um sinal do seu continuado apoio ao trabalho das Nações Unidas que, na verdade, remonta à conferência de São Francisco em 1945, na qual esta Organização Mundial foi fundada, continuou com as contribuições para a elaboração da histórica Convenção sobre Refugiados de 1951 e tem-se estendido desde então, ancorada no horror do Holocausto e na situação de pessoas que, seja em que lugar for, enfrentam ódio, insegurança e necessidades. Hoje, essa missão é mais importante do que nunca.

    Nos últimos meses, um constante fluxo de preconceito continuou a manchar o nosso mundo: ataques anti-semitas, assédio e vandalismo; negação do Holocausto; uma confissão de culpa de um plano neonazi para fazer explodir uma sinagoga.

    Com a COVID-19, outro vírus se espalharam – o do anti-semitismo e o do ódio sob várias formas. Antigos libelos de sangue ganharam uma nova vida.Outros grupos foram também falsamente acusados, enfrentando não apenas a difamação, mas também a violência. Enquanto isso, a desinformação e as teorias da conspiração ganharam terreno de modo alarmante. Chegam-nos de diferentes maneiras mas todos traficam com o mesmo veneno: desumanizando e tornando o outro o bode expiatório, seja ele judeu, muçulmano, migrante, refugiado ou qualquer outro. Devemos, pois, lutar em duas frentes: da pandemia e do veneno.

    Enfatizo: para mim, a luta contra o anti-semitismo é profundamente pessoal. Eu atingi a maioridade numa Europa moderna que se recuperava da guerra. A oposição à tirania do fascismo foi central no desenvolvimento da minha consciência social e política. Ver neonazis e supremacistas brancos em marcha actualmente causa-me arrepios de horror. Vê-los infiltrados em instituições militares e de segurança aumenta ainda mais o perigo que representam. Devemos lutar juntos contra o ódio em todas as suas formas.

    O nosso mundo de hoje precisa de um retorno à razão - e de uma rejeição às mentiras e ao desprezo pelo outro que impulsionaram os nazis e que fragmentam as sociedades actuais. E não posso omitir o cadastro do meu próprio país desta imagem. Um dos capítulos mais sombrios da história de Portugal foi a discriminação e perseguição aos judeus durante a Idade Média, culminando com a sua expulsão no século XVI. Foi esta uma traição colossal, cujas consequências foram sentidas durante séculos. Nada pode desfazer o dano causado. Contudo, durante o meu tempo como Primeiro-Ministro, senti ser necessário encontrar formas de expiar o papel de Portugal na xenofobia que era tão generalizada na Europa naquela época.Trabalhei então com o Parlamento para aprovar um decreto revogando a expulsão - um passo simbólico, certamente, mas que reflectiu não apenas a profundidade do nosso remorso pelo passado, mas a lição que ficou aprendida para o futuro. Pouco depois, visitei os Países Baixos, para onde tinham fugido muitos judeus portugueses, para pedir desculpa, em nome do meu país, e depositar uma cópia do decreto na sinagoga portuguesa em Amesterdão. Naquele belo edifício ecoou um silêncio mortal - de si um símbolo de uma comunidade vibrante perdida para o horror. Os descendentes dos que sobreviveram à expulsão de Portugal tornaram-se vítimas do extermínio bárbaro pelos nazis.

    Agora, como Secretário-Geral, estou a trabalhar para mobilizar uma coligação global contra a intolerância. Ainda antes de o vírus atacar, após uma onda de anti-semitismo, ódio anti-muçulmano, racismo e outras formas de discriminação, as Nações Unidas lançaram um plano de acção contra o discurso de ódio.Após uma série de actos monstruosos de assassinatos em massa em sinagogas, mesquitas e igrejas, apresentámos um plano para proteger locais de culto e outros locais religiosos.

    E desde a disseminação do vírus, este ano, que a nossa nova iniciativa “Verified” tem combatido a desinformação desenfreada sobre a COVID-19. Minhas senhoras e meus senhores, Esta cerimónia coincide com o aniversário da Noite de Cristal (Kristallnacht). Ao relembrar essa noite em que tanto foi destruído - sinagogas, lojas, a própria fé - quero deixar uma nota de esperança.

    Está ao nosso alcance sair desta pandemia com comunidades mais fortes e sociedades mais coesas, atendendo às desigualdades e injustiças que ficaram expostas de forma tão vincada. A solidariedade dentro e entre os países será crucial. Para nós, como indivíduos, isso significa falar abertamente/intervir contra os abusos, mesmo se o nosso próprio grupo não estiver a ser alvo de ataque e nunca encorajar esforços para atacar os outros. O ódio não discrimina. Recordemos o que a História nos conta sobre a descida para a repressão e violência: um dia é o seu vizinho que está sob ataque, no outro dia provavelmente será você. Também estou a pedir um cessar-fogo global para que possamos concentrar-nos no nosso inimigo comum: o vírus. Os meus enviados e eu estamos a explorar todas as aberturas possíveis para a paz.

    Nesse contexto, e cientes do papel que as próprias Nações Unidas desempenharam no estabelecimento do Estado de Israel, permanece como minha esperança fervorosa que, no próximo ano, um diálogo entre israelitas e palestinianos possa recomeçar rumo ao objectivo de dois Estados, vivendo lado a lado em harmonia e paz, no contexto de um ambiente positivo de cooperação regional. Os contributos de uns e outros no avanço da condição humana serão críticos.

    Eu continuarei convosco na luta contra o anti-semitismo e contra a discriminação de todo o tipo. As Nações Unidas são um vosso aliado inabalável na luta essencial para defender igualdade e dignidade para todos.

    Obrigado, novamente, por este reconhecimento.»

     Leia aqui a versão original do discurso do Secretário-Geral em inglês.