Maria do Céu Pinto em Israel

Relato de uma viagem a Jerusalém

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    Quem sabe, se depois desta viagem, posso anelar: “para o próximo ano, de novo, em Jerusalém”?!

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    ​A minha deslocação a Jerusalém tinha como objectivo principal a participação na "8th Annual Graduate Conference in Political Science, International Relations and Public Policy In Memory of Yitzhak Rabin", organizada pela Universidade Hebraica de Jerusalém. No início de Dezembro, o tempo estava frio, mas o sol foi uma companhia constante. Os dias foram ensoleirados e risonhos, tornando a minha estadia numa ocasião propícia para alguns passeios na Cidade Velha e num agradável interlúdio, tendo em conta o tempo que iria encontrar no regresso. A conferência teve lugar no campus da Universidade Hebraica que ocupa uma área enorme em torno da colina do famoso Monte Scopus no nordeste da cidade. O edifício da conferência, realizada no Maiersdorf Faculty Club, situa-se mesmo no topo da colina, proporcionado uma vista privilegiada sobre parte da cidade.

    A Annual Graduate Conference tem poucos anos de vida mas tem-se vindo a tornar um evento importante na agenda das conferências internacionais de Ciência Política (CP). A sua importância, confirmada pela presença de dezenas de conferencistas e de jovens investigadores de todos os continentes, ficou também patente pela participação de alguns nomes de primeira água da cena académica, como Philippe Schmitter, famosos teórico da democracia. As sessões e workshops cobriram um grande espectro de tópicos, indo do pensamento politico, à discussão de temas teóricos contemporâneos e questões da actualidade. A presença de académicos israelitas era notável, demonstrando, nas suas várias vertentes de participação, um enorme profissionalismo e confirmando que estão na vanguarda do estudo da CP.

    Embora em Jerusalém não se respirasse o ambiente natalício, tive a fortuna da minha deslocação coincidir com a festividade da Hanucá, ou “Festival das Luzes”. Jerusalém é uma cidade especial, cuja importância dispensa explicações. Estar na Terra Santa é sempre uma experiência muito gratificante. Ter o privilégio de percorrer os lugares do Judaísmo e da Cristandade, calcorrear os mesmos lugares que os Profetas do Antigo Testamento e Cristo pisaram e respirar a atmosfera profundamente espiritual e interior destes lugares, não pode deixar ninguém – crente ou agnóstico – indiferente.

    Começo por referir o fascínio da Cidade Velha com os seus meandros e os seus bairros: judeu, cristão, arménio e muçulmano. Que emoção visitar o muro das Lamentações e pensar que ao longo de milhares de anos foi teatro da alegria do povo judeu nos seus momentos de auge, bem como do seu pesar, um pesar feito de “saudade”, dessa nostalgia judaica encerrada na invocação proferida por gerações e gerações de Judeus nos lugares da Diáspora: “no próximo ano, em Jerusalém!”. Como referi, tive a sorte de chegar na altura da Hanucá que começou a 8 de Dezembro e tem a duração de 8 dias. A cidade vive intensamente o espírito festivo desta celebração. Fiz o possível para não perder ao final da tarde, às 17.30h a cerimónia do acender da vela dos Menorá (candelabro de 8 braços) típicos da Hanucá, presentes nos lugares públicos – a começar pelo da praça do Muro Ocidental - nas janelas das casas e estabelecimentos comerciais.

    No Hotel Kind David, um dos locais emblemáticos da história do Estado de Israel, aguardei o momento de acender a vela da Hanuká numa cerimónia íntima e tocante. A Chanukiá é uma Menorá, do candelabro judaico composto por 9 braços, ao contrário da Menorá do templo que tem habitualmente 7. Na presença de alguns turistas e de um grupo de polícias israelitas ali presentes para uma reunião, o rabi recitou a bênção apropriada. Utilizou o “shamash”, a vela “auxiliar” ou “serva” que está a mais, para acender a primeira vela. Na primeira noite, é colocada uma vela na ponta da direita. Acende-se o “shamash” e são recitadas as tradicionais “b’rachot” – bênçãos da Hanucá. Após a recitação das “b’rachot”, é acendida a primeira vela usando-se o “shamash”, o qual é colocado na sua posição inicial. Por cada noite, adiciona-se mais uma vela da direita para a esquerda. Porém, as velas são acesas da esquerda para a direita, de modo a honrar sempre o novo milagre. Na oitava noite, são acesas todas. Os 8 braços servem para lembrar o milagre dos 8 dias em que a Menorá ficou acesa com azeite, cuja quantidade não dava para mais do que um dia.
    Ao fim da tarde, e apesar do frio, a cidade tinha uma atmosfera festiva e acolhedora e as pessoas não dispensavam o passeio em família para desfrutar essa atmosfera. Também há o costume de servir alimentos como sonhos com geleia (“sufganyot”), oferecidos em muitos restaurantes e bares.

    O povo israelita é extremamente cosmopolita, culto e aberto. O seu domínio do inglês torna mais fácil a um turista movimentar-se na cidade e perceber o significado das suas tradições e símbolos. Tive oportunidade de perguntar a um jovem, o significado de 4 franjas brancas que pendiam por altura dos bolsos traseiros e dianteiros das suas calças. Trata-se, como descobri, do “talit catán”, um xaile de onde pendem franjas - “tsitsit” - que funcionam como lembrete de todas as “mitsvot”, mandamentos da Torá. Ao colocar o “talit”, o Judeu recorda-se que Deus lhe ordenou que se envolvesse nele a fim de se lembrar de cumprir todos os seus mandamentos. Esses fios representam os quatro cantos do mundo e recordam a cada Judeu o seu dever de, nesse seu perímetro - que representa todo o universo -, de praticar o Bem.

    Não sabia que a festa da Hanucá foi instituído por Judas Macabeu e os seus irmãos para celebrar a vitória sobre os selêucidas. Após terem recuperado Jerusalém e o Templo, Judas ordenou que o Templo fosse limpo. O único jarro de azeite puro existente no Templo com o selo intacto do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) para acender as luzes da Menorá duraria apenas um dia, mas milagrosamente durou 8 dias, tempo suficiente para que um novo azeite puro fosse produzido e levado ao templo, conforme manda a Torá.

    Ao regressar, encontrei no aeroporto dois livros aos quais não resisti. Um deles é a biografia do político, jornalista e homem de negócios israelita, Tommy Lapid, escrita pelo seu filho e intitulada “Memories After My Death”. Este livro é a história extraodinária de um homem que nasceu na antiga Sérvia, que viveu entre os Balcãs e Budapeste, que caiu nas malhas da perseguição nazi e que, por um revés feliz da fortuna, conseguiu embarcar no único barco autorizado pelo Marechal Tito para rumar à Palestina transportando os judeus fugitivos, tornando-se assim um dos fundadores, pioneiro do novo Estado de Israel. Trata-se de um “fresco” da vida de um Judeu que fez todas as experiências possíveis e a todas sobreviveu com uma dose infinita de resistência e bom humor. O segundo livro, que devorei com o mesmo ardor, é um romance-biografia dofamosa romancista, Meir Shalev, que tem o divertido e explicativo título “My Russian Grandmother and Her American Vacuum Cleaner: A Family Memoir”. Trata-se também de uma biografia solta da família do escritor, tendo como ponto de referência a chegada À Palestina dos anos 20 da sua avó, judeia ucraniana, e as peripécias de uma família que resistiu nos difíceis tempos da ocupação britânica e da esforçada construção do novo Estado judaico. Essa esforçada construção e as memórias desse tempo continuam ainda presentes na cidade de Tel Aviv, que tive a oportunidade de visitar durante algumas horas, en passant para o aeroporto. A leitura do livro de Lapid serviu para complementar a impressão fugidia que tive dessa cidade que está em acelerada modernização.


    Quem sabe, se depois desta viagem, posso anelar: “para o próximo ano, de novo, em Jerusalém”?!