As primeiras horas do Estado de Israel sem Shimon Peres estão a provocar, em todo o país, um sentimento de profunda tristeza e orfandade. Peres é o último grande líder que participou de uma das principais revoluções da Humanidade: fazer com que um povo que estava por três milénios disperso pela face da terra se reunisse no seu antigo território e criasse uma nação soberana.
Shimon Peres, que chegou ao futuro Estado de Israel com apenas 12 anos, nunca deixou de ser um jovem incansável que lutava com um braço para reforçar o Estado judeu e assegurar sua sobrevivência; e com o outro para conseguir, ainda em nossa geração, o sonho milenário da paz.
Tive o privilégio de acompanhá-lo durante longas viagens ao Brasil, Argentina e Espanha, além de organizar com ele, cara a cara, eventos históricos como a visita do Papa Francisco a Israel e a posterior “Oração pela Paz” (junho de 2014); um feito sem precedentes que teve lugar no Vaticano, duas semanas depois.
Nos momentos mais difíceis, quando tudo parecia perdido, Shimon nunca desistiu. Ele me chamava pessoalmente, pelo telefone, para organizar cada pequeno detalhe, para tentar resolver cada problema e superar qualquer armadilha.
Recordo momentos de paixão pela vida, de senso de humor, de profunda tristeza, mas nunca de desespero.
“A insatisfação do povo judeu, a nossa inquietação permanente, é o segredo de nosso êxito. Nós somos um povo que, desde a época dos profetas, nunca aceitou a autoridade sem discutir. Até Deus discutia com o povo”, chegou a afirmar o estadista.
No mesmo 13 de Setembro em que Shimon sofreu o derrame cerebral que terminaria com a sua vida, falei com ele por telefone – nove horas antes – para comentar que havia estado com o Papa Francisco días antes e que havia vários projetos educativos em favor da paz.
Sua santidade afirmou que contava connosco para levar esses projetos adiante. Peres alegrou-se e chamou-me, no dia seguinte de manhã, para comentar os detalhes. Essa foi a primeira reunião à qual Shimon faltou.
Comprometo-me a tentar cumprir a sua missão e seguir adiante na execução de seus projetos.
Às vezes, eu perguntava a ele: “Shimon, pode ser que vejas a realidade mais rosa do que realmente é?”
E ele respondia: “Tanto optimistas quanto pesimistas, no final das contas, morrem. Mas os optimistas vivem muito melhor. E agora, vamos ao trabalho, não há tempo a perder”.
* Henrique Cymerman é um jornalista e escritor português que trabalha como correspondente do Médio Oriente para La Vanguardia, Antena 3, SIC e Globo News. Além disso também escreveu o livro "Vozes no Centro do Mundo".