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Celebramos hoje um marco histórico deixado pelo enorme Mário Soares, que corajosamente descreveu o passado da relação entre o povo judeu e Portugal, assumindo uma pesada responsabilidade e pedindo perdão, para depois sedimentar a esperança de um futuro diferente e melhor.
Com um elevado sentido de dever moral, por um lado, e uma capacidade de intuir os sinais dos tempos, por outro, o Presidente Soares deixou um aviso. E cito:
«(...) reaparecem de novo inquietantes sintomas de fanatismo religioso e intolerância, com novos apelos a autos de fé até à aniquilação de seres humanos.» Fim de citação.
Homem de visão, ele percebeu que o fanatismo religioso e o racismo não eram apenas um fenómeno perdido num passado distante, mas uma ameaça real nas nossas sociedades modernas.
Infelizmente, trinta anos volvidos, enfrentamos na Europa e no mundo, não apenas o reaparecimento, mas até o aumento do anti-semitismo. Às vezes este anti-semitismo camufla-se de crítica a Israel mas, de facto, é motivado por um ódio visceral contra o país na intenção da deslegitimização do seu direito a existir.
Os media sociais são um mostruário assustador dos sentimentos mais aviltantes expressos na segurança de um quase anonimato. E não só contra os judeus, mas contra outras religiões e outras minorias. Precisamente anteontem testemunhámos um horrível massacre de crentes inocentes em duas mesquitas em Christchurch na Nova Zelândia. Um crime motivado unicamente por sentimentos islamofóbicos.
Mais à frente, no seu discurso, o estadista cita, por sua vez, Elie Wiesel, cujas palavras ditas no contexto da Shoá mantêm hoje a sua relevância: trata-se de «não deixar as vítimas morrer segunda vez, pelo esquecimento.» Fim de citação.
É por isso que a cerimónia a que estamos a assistir hoje em Castelo de Vide dá um tão importante contributo para a luta contra o esquecimento dos actos terríveis da Inquisição, das vítimas de tortura e autos-de-fé, bem como da perda de identidade sob a opressão dos ditames do Santo Ofício.
E porque a todas as vítimas desta tragédia não foi dada hipótese que a oração de Kaddish fosse dita depois da sua morte, eu, como Embaixador do Estado de Israel, em nome de todos os seus cidadãos, judeus ou não, direi hoje o Kaddish.