Artigo Opiniao Embaixador Raphael Gamzou

Artigo de Opinião: "A Paz Inevitável"

  •   Cem anos do Acordo entre a Organização Mundial Sionista e o Reino Árabe de Hedjaz
  •  
     

    ​Artigo de Opinião do Embaixador Raphael Gamzou, publicado no Diário de Notícias online:

    Disse-me recentemente um meu colega, árabe e pragmático, que hoje em dia, na nossa região, é muito mais fácil estar entre os radicais. Foi com tristeza que concordei com ele. Ainda assim, prometemos que continuaríamos a lutar pela Paz sem facilitar a vida aos fanáticos. E sem cair no pessimismo.

    "Vê como os nossos colegas, os Embaixadores de França e da Alemanha, celebram juntos o fim da 1.ª Grande Guerra", disse-lhe. "Pensa quão profundo era o ódio entre aqueles povos, e vê o grau de cooperação hoje!"
    E concordámos não haver outra opção, ainda que muito mais trabalhosa, do que a Paz.
    Ingenuidade? Talvez.
     
    Principalmente quando olhamos para o ISIS, a Jihad Islâmica, o Hamas, o Hizbullah, essas máquinas de terror que distorcem os fundamentos do Islão, ou para o Irão, que consegue mais armamento e promove o terrorismo no mundo enquanto jura eliminar Israel do mapa.
    É que apesar de tudo isto há elementos encorajadores. O diálogo entre Israel e muitos países árabes, bem como com países muçulmanos não-árabes intensifica-se. E embora parte disto não seja 'visível', a verdade é que parte já vê a luz do dia, como as recentes visitas do PM Netanyahu a Omã, no Golfo Pérsico, e ao Chade, em África. Mesmo nos media árabes, cada vez mais jornalistas e intelectuais vêm a público sublinhar a necessidade de reconhecer e colaborar com Israel.
     
    Comentei com o meu interlocutor árabe que em 2019, ano comemorativo da Conferência de Paz de Paris, corolário do final da 1.ª Guerra Mundial, também celebramos o 100.º aniversário do Acordo entre o Movimento Sionista (Movimento Nacional do Povo Judaico) e o Movimento Nacional árabe. Por responsabilidade histórica das então potências coloniais Grã-Bretanha e França, o Acordo não se materializou. Contudo, relê-lo assume grande importância porque:
     
    1. Ridiculariza a campanha de propaganda anti-Semita iniciada na antiga União Soviética e disseminada pela esquerda radical europeia que transformou o termo Sionismo num palavrão. Um elemento do PS do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel confessou-me que, de cada vez que ousa defender Israel, é chamada 'Sionista' (mesmo pelos seus companheiros de bancada) como se de um grave insulto se tratasse. Felizmente, este é um título que ela carrega orgulhosamente.
     
    2. Clarifica que o termo "Palestiniano" representando uma determinada identidade nacional, é historicamente recente. Este documento com 100 anos, utilizando o termo "Palestina", refere-se a uma unidade geográfica em cuja parte o Governo britânico, através da Declaração Balfour, garantiu aos judeus a sua Pátria Judaica, dois anos antes do Acordo sobre o qual nos debruçamos, arrasando assim com a ideia que muitos inimigos tentam disseminar de que houve algures um Estado Palestiniano que foi conquistado por Israel. Leia-se no art.º 3: «No estabelecimento da Constituição e Administração da Palestina todas as medidas serão adoptadas por forma a oferecer as mais completas garantias para a entrada em vigor da Declaração do Governo Britânico de 2 de Novembro de 1917.»
     
    3. Não menos importante, fortalece-nos a convicção - a nós, os ingénuos, os optimistas, os que não pretendem render-se aos radicais - de acreditar na Paz.
    Citando mais algumas frases deste Acordo datado de 3 de Janeiro de 1919 entre, por um lado, o Emir Feisal, representante do Reino Árabe de Hedjaz, que se via como a personificação do nacionalismo árabe, liberto da opressão do Império Otomano; e Chaim Weizmann, que haveria de ser eleito, em 1948, o primeiro Presidente do Estado de Israel, em representação do Movimento Sionista; transparece que ambos viam na colaboração entre aqueles dois movimentos nacionais a base para um Médio Oriente livre e próspero.
    Tal cooperação, segundo os dois, baseia-se também numa maior proximidade entre judeus e árabes, declarando estarem "cientes do parentesco racial e dos laços ancestrais existentes entre os árabes e o povo judeu, e entenderem que o meio mais seguro de realizarem a consumação das suas aspirações nacionais é através da colaboração mais próxima possível no desenvolvimento do Estado Árabe e da Palestina, no desejo de confirmar o bom entendimento entre eles existente (...)».
     
    Antecipando as dúvidas dos inocentemente desconhecedores e/ou as certezas dos militantes anti-Israel, convém mencionar uma carta datada de 3 de Março de 1919, do mesmo Emir Feisal a Felix Frankfurter, Presidente da Organização Sionista Americana,  na qual o líder árabe declara: «Os árabes, em especial os mais instruídos de entre nós, olham com grande simpatia para o Movimento Sionista.» (...);  «Desejaremos aos judeus o mais caloroso regresso a casa.» (...); «Os nossos dois Movimentos completam-se. O Movimento Judaico é nacional, não imperialista.»
     
    Em Fevereiro, tem lugar uma cimeira entre os líderes da Liga Árabe e a União Europeia. Foi a emigração que espoletou esta cimeira mas este diálogo é sempre importante e bem vindo. É recomendável que a UE abandone os velhos paradigmas de um mundo árabe contra Israel.
    Esta divisão já não é válida porque a divisão hoje é entre extremistas que ameaçam não só o Estado de Israel, mas os regimes mais pragmáticos do mundo árabe e a segurança da própria Europa. Se esta quiser ter um papel mais relevante numa Paz futura entre Israel e os palestinianos, terá de denunciar (sem gaguejar) a transformação de assassinos de cidadãos israelitas em celebridades, ícones a admirar. São transferidos pagamentos para as famílias desses 'mártires' - dinheiro europeu incluído – que as transforma, num processo disfuncional, numa espécie de elite social. Terá de insistir com a Autoridade Palestiniana no regresso à mesa negocial com Israel. Terá de convencer a Autoridade Palestiniana a estudar o plano de Paz americano, ainda em construção, e quando publicado não o rejeitar a priori só por ter nascido pela Administração Trump. Por seu lado a AP terá de preparar as gerações vindouras a viver lado a lado connosco ao invés de lhes incutir sonhos de regresso a Israel de milhões de descendentes dos refugiados de 1948 – um claro sinónimo da destruição de Israel, pelo que inaceitável.
    O silêncio de alguns países europeus vis-à-vis as ameaças iranianas de eliminar o Estado de Israel não contribui para a solidificação da posição europeia entre os Estados árabes, que outrossim percebem o Irão como ameaça à sua própria existência. Só uma posição europeia absolutamente cristalina face ao direito de Israel a defender-se contra organizações terroristas e seu patrono iraniano poderá deslegitimizar os radicais no Médio Oriente.
    A Europa sabe que um Israel democrático e desenvolvido é uma vantagem para si e para a sua segurança. Veja-se a intelligence que partilhamos com os nossos parceiros europeus e graças à qual ataques foram evitados e vidas inocentes poupadas.
    Só que Israel, a nação start-up, também pode constituir uma vantagem para os seus vizinhos árabes. As alterações climáticas vão invariavelmente aumentar as pressões migratórias rumo à Europa provenientes do Médio Oriente e África.
    A Europa deveria pois encorajar o uso da dessalinização de água e a segurança alimentar – baseadas em tecnologia de ponta de Israel - pelos países do Médio Oriente e do Maghreb. Uma ideia, aliás, que já foi expressa no Acordo Feisal-Weizmann ao referir, no seu art.º 7, que «a Organização Sionista usará os seus melhores esforços na assistência ao Estado Árabe em providenciar os meios para desenvolver os seus recursos naturais e possibilidades económicas.»
     
    É chegado o tempo de refrescar o velho paradigma. De sermos inspirados por este Acordo e prosseguir paulatinamente em direcção a uma Paz - Paz inevitável.