Biodiesel a quatro maos

Biodiesel a quatro mãos

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    ​​16/10/2012

    Fonte: O Globo, Amanhã, p. 26-27

     

    Daniela Kresch

    ciencia@oglobo.com.br

  • O Globo
     
    Prisão de ventre? Unhas quebradas? Calos nos pés? Não há manual de remédios caseiros da vovó que não discorra sobre as maravilhas medicinais do intragável óleo de rícino, um purgante natural infalível. No Nordeste, a semente que dá origem ao óleo é chamada de carrapateira. Mas para a maioria, trata-se simplesmente da mamona, usada na indústria para a confecção de plásticos, tintas, lubrificantes, cosméticos e outros 700 aplicações industriais. O mais recente uso é, no entanto, na fabricação de matéria-prima para biocombustível. O potencial milionário - e verde - do fruto da mamoneira atraiu uma empresa israelense, que está investindo em plantações de mamona no Brasil para produção de combustível alternativo.

    A Evofuel, criada em janeiro na cidade de Rehovot, no Sul de Israel, está colocando todas as fichas na mamona brasileira. A empresa desenvolve plantações da planta mais eficientes através de modificações genéticas. O Brasil foi escolhido como palco dos investimentos por ser um dos maiores produtores de mamona do mundo, com 8% da colheita mundial produzida em mais de 30 países - a Bahia fez do país o principal produtor mundial de óleo de mamona nos idos dos anos 1980, mas, por enquanto, a participação da agricultura familiar na cadeia do biocombustível, um dos pilares do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), ainda não decolou. A mamona brasileira fica atrás apenas de megaprodutores como Índia (73%) e China (18%). Apesar de não ser o número um nesse mercado, foi a combinação do clima com o potencial comercial do Brasil que fizeram os israelenses escolherem fechar parceria com o país.


    A produção de biocombustível tem crescido 20% ao ano desde 2006, chegando a mais de 27 bilhões de litros em 2011. A estimativa é que alcance 42 bilhões de litros em 2020. Mas o material usado para essa produção não está crescendo na mesma medida. A matéria-prima - principalmente óleo de soja e canela - constitui, hoje, mais de 80% do custo de produção do combustível verde. O alto preço faz com que a produção seja subsidiada por governos em todo o mundo, interessados no desenvolvimento de combustíveis alternativos. O objetivo é que o barril do óleo de mamona para biocombustível seja vendido a US$ 50, um terço do preço de um barril de óleo de soja, avaliado a US$ 150.

    - O biodiesel ainda não é, hoje, uma indústria econômicamente viável. Só funciona com subsídios de governos por causa do alto custo e da produção de baixa escala. Queremos mudar isso. Aumentar a produtividade, desenvolver safras em grande escala que ajudem na sustentabilidade do terreno - explica Ofer Aviv, presidente-executivo da empresa de biogenética Evogene, dona da Evofuel.

     

    Alta produtividade


    Segundo Aviv, a tecnologia da Evofuel garante mais mamonas por metro quadrado. Em vez de colher apenas uma tonelada por hectare, os agricultores que usam as sementes modificadas em laboratório colhem quatro toneladas por hectare, segundo testes conduzidos pela empresa. Motivo: as mudanças genéticas na semente fazem com que o ramo central das plantas seja maior e que o volume de folhas diminua, aumentando a densidade da plantação no terreno. A semente modificada dá origem a mais cápsulas por planta, cada uma com três sementes em vez de uma. A densidade do óleo da mamona aumenta de 47% para 67% em cada semente.

    No Brasil, a Evofuel atua no semiárido nordestino, em colaboração com a SLC Agrícola, uma das maiores produtoras agrícolas do país, com foco em soja, algodão, milho, café e trigo em 250 mil hectares de terras cultivadas. A cooperação começou com um projeto piloto na Bahia, em 2011, que atestou que as cepas das plantas desenvolvidas pela empresa israelense têm maior potencial de rendimento do que as variedades atualmente disponíveis no mercado.

    Outro motivo para a escolha do Brasil como local prioritário foi a extensão da sojicultura no país. No modelo da Evofuel, a mamona é cultivada em rotação com a soja, evitando o uso de novas áreas agrícolas e melhorando a safra da própria soja através da reciclagem do solo. A mamona é cultivada na Bahia de fevereiro a julho, época pouco propícia para a soja. O método, de quebra, melhora a resistência do solo a pragas para a próxima plantação de soja.

    Em maio deste ano, a Evofuel aumentou sua presença na América Latina ao anunciar uma colaboração com a argentina T6 Industrial, uma empresa da agronegócios especializada na produção de óleo, biocombustível e glicerina. Através da colaboração, a Evofuel e a T6 vão avaliar e desenvolver variedades de sementes de mamona para produção comercial na Argentina, bem como avaliar o potencial comercial e de escala do uso das novas sementes como matéria-prima para o biocombustível.

    - Nossa colaboração anunciada com a T6 Industrial é um passo estratégico importante para expandir nossas atividades em mercados adicionais na América Latina além das operações que já temos no Brasil - disse Assaf Oron, da Evofuel.


    A Evofuel é uma espécie de empresa filhote da Evogene, iniciativa de biotecnologia israelense criada em 2002 e especializada em modificações genéticas em plantas e redefinir o genoma de certos vegetais.

    A ideia é potencializar as características produtivas; permitir melhores práticas de cultivo ligadas à mecanização agrícola e obter respostas no uso de defensivos agrícolas. A empresa já registrou 15 patentes com descobertas nesse ramo. Fornece sementes modificadas para algumas das maiores companhias mundiais de grãos.

    Uma delas é a Monsanto. A gigante americana detém 10% da Evofuel. Investiu US$ 127 milhões por seis anos de desenvolvimento de milho, soja, algodão e canola transgênicos, com opção de mais US$ 12 milhões. Outra investidora é a Bayer, que detém 5% das ações da empresa. A indústria farmacêutica alemã investiu US$ 20 milhões para pesquisa com alguns produtos, como trigo, tolerância a pestes e utilização de fertilizantes.


    Ofer Aviv, CEO da Evofuel, faz uma careta quando se toca na palavra "transgênico", infame em muitos círculos. Os críticos dessa prática de modificação genética de plantas alegam que o ser humano não tem o direito moral de tentar "melhorar" a natureza, nem sabe até que ponto essas transformações podem ser danosas para a saúde.

    - Nós só trabalhamos com plantas da mesma família. Melhoramos as plantas, não as cruzamos com outras espécies - garante. - É uma das tecnologias com mais verbas à disposição do ser humano para substituir químicos e fertilizantes.

    Aviv diz ser a favor de regulações nacionais que estipulem a medida e a forma pela qual essas plantas "melhoradas" devem ser usadas. Mas acredita que proibir toda e qualquer modificação genética em plantas é um erro.

    - Ser contra todo o tipo de melhoria genética é ridículo. Mas claro que dizer só "sim" a qualquer modificação também é negativo. É preciso encontrar um equilíbrio - afirma.


    O segmento de biocombustíveis vem aumentando nos últimos anos, atingindo o valor de US$ 18 bilhões em 2010. Alguns mercados estão estão apostando especialmente nos combustíveis alternativos, que é o caso, por exemplo, do setor de aviação.

     

    O Globo, 16/10/2012, Amanhã, p. 26-27

     
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