Beduínas vão à luta

Beduínas vão à luta

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    Por Daniela Kresch​

    TEL AVIV - Há apenas 15 anos, elas não podiam trabalhar fora de casa, andar sozinhas nas ruas e nem mesmo dirigir carros. Mesmo envoltas por um rígido código tribal islâmico e pelas dificuldades da vida em meio à minoria árabe de Israel, as mulheres da comunidade beduína do país estão sacudindo a poeira do deserto e dando a volta por cima. Através de iniciativas pioneiras, as beduínas israelenses estão provando que podem manter a tradição e, ao mesmo tempo, mudar a realidade local.

  • Foto: Daniela Kresch
     
    ​O câmbio começou no final dos anos 90. Pressionadas pelas dificuldades financeiras pelas quais passam os cerca de 200 mil beduínos de Israel (cerca de 3% da população israelense) e pela vontade de se libertar das amarras do patriarcalismo islâmico, jovens beduínas convenceram clérigos e líderes locais a deixá-las trabalhar fora de casa e fundar grupos comunitários. Duas delas foram as irmãs Khadra e Hanan al-Sana, moradoras de Lakyia, uma das sete cidades beduínas no deserto do Negev, no Sul do país. Em 1997, as duas criaram a ONG Sidreh, que deu origem a Tecelagem Lakyia — uma cooperativa com 70 tecelãs que produzem tapetes, cortinas, bolsas e acessórios de lã de ovelhas e couro de camelo para venda dentro de Israel e também para exportação. As irmãs al-Sana já ganharam prêmios internacionais, são convidadas regularmente para dar palestras no exterior e já expuseram seus trabalhos na sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A tecelagem hoje arrecada 80% do orçamento necessário para o funcionamento da ONG Sidreh. O restante é fruto de doações.
    — Quando começamos, não imaginávamos que conseguiríamos tantas vitórias. Já fui à ONU duas vezes. Visitei também Turquia, Tunísia, Jordânia e Egito — orgulha-se a sorridente Khadra, que provou a suas colegas que é possível coordenar a vida profissional com os afazeres de mãe de quatro filhos. — Não quero que minha filha passe pelo que eu passei. Em uma década, a vida mudou muito para nós.
     
    Desemprego feminino
    Os beduínos israelenses descendem de tribos nômades da Arábia Saudita e do Deserto do Sinai, no Egito, que estavam em Israel na época da criação do Estado, em 1948. Mas, se naquela época eram seminômades, hoje são praticamente sedentários. A grande maioria, quase 65%, vive em sete cidades no deserto do Negev. Minoria dentro da minoria árabe em Israel, os beduínos representam 15% dos 1,6 milhão de árabes (20% da população) que vivem no país. Mais de 65% dos beduínos em Israel vivem abaixo da linha da pobreza (a média nacional é 25%), mas a situação é particularmente grave no caso das mulheres: 81% delas não têm emprego.
    Aos poucos, as mulheres beduínas foram se conscientizando de que poderiam mudar sua posição na comunidade. Sarab Abu Rabia-Queder, por exemplo, foi a primeira beduína israelense a receber um diploma de doutorado. Hoje, ela leciona no Instituto Blaustein de Pesquisas Desérticas da Universidade Ben Gurion e é autora do livro “Mulheres palestinas em Israel: vida e luta pelas margens”.
    Em sua tese, “O ativismo da mulher beduína: resistência política e social”, Sarab explica que a cultura beduína em Israel teve que mudar por causa do conflito entre Israel e o mundo árabe no Oriente Médio. Com a criação de Israel, as tribos nômades e seminômades que circulavam na região perderam a mobilidade, já que não podiam mais se deslocar para os países vizinhos e tinham que se contentar com a vida num país menor do que Sergipe, o menor estado brasileiro. Aos poucos, a comunidade acabou se assentando e as mulheres, que antes tinham um papel fundamental na comunidade, especialmente na criação das ovelhas, ficaram reduzidas a serviços domésticos.
     
    Discriminação
    As mulheres beduínas experimentam uma discriminação por gênero perpetuada por dois códigos culturais que governam a vida da comunidade: o sexual e o coletivo. O primeiro código afeta todos os aspectos da educação das meninas, da infância até o casamento. O status das famílias beduínas é determinado por seu tamanho, o que dependeria das “habilidades reprodutivas” da mulher. Ela é vista, segundo Sarab Abu Rabia-Queder, como um “veículo de procriação”, ao mesmo tempo marginalizada e venerada. Por um lado, ela é reduzida a se contentar com dar à luz e criar filhos. Por outro lado, qualquer ofensa a mulheres é considerada indesculpável.
    Em termos do código coletivo, a pesquisadora afirma que as mulheres são ensinadas que devem se casar e criar famílias. Qualquer pessoa que queira ser considerada honrada por seu grupo precisa obedecer os códigos e demonstrar total lealdade à tribo.
    — Até hoje, muitas mulheres não frequentam escolas porque suas famílias têm medo de que elas venham a envergonhar suas tribos ao conhecer meninos de outros grupos — concluiu Sarab.

    Fonte: O Globo
     http://oglobo.globo.com/amanha/beduinas-vao-luta-7846644#ixzz2NzLxvIqq 
     
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