Folha de S. Paulo
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DE SÃO PAULO
Aos 61 anos, o cineasta Amos Gitai reencontrou uma vocação antiga. Sua formação em arquitetura não impediu que, em 1973, ele trocasse a prancheta e as maquetes pela trincheira da guerra.
Era feriado de Yom Kippur, quando uma coalizão de Estados árabes liderados por Egito e Síria se uniu contra Israel e atacou o país.
Gitai se alistou e virou piloto de helicóptero, mas foi abatido por um míssil sírio. Sobreviveu, e as armas deram lugar a uma câmera --o conflito virou tema de "Kippur-- O Dia do Perdão" (2000).
"Eu precisava falar sobre o destino do meu país. Depois da guerra, a arquitetura me pareceu um meio muito formal para fazer isso", explica o diretor israelense à Folha, por telefone. Mas o tempo passou e, agora, o pensamento de Gitai está voltado para o dia 16 de março.
É o aniversário de seu pai, o também arquiteto Munio Weinraub (1909-1970), e a data que marca a inauguração do Museu de Arquitetura de Haifa, em Israel. O cineasta reformou um antigo estúdio de seu pai para abrigar o projeto. Finalmente, ele se reconciliou com a arquitetura.
"Vivemos um momento de crise mundial. Isso vai fazer com que as pessoas botem a cabeça no lugar. Não podemos desperdiçar a crise. Espero que possamos aprender algumas boas lições sobre o ambiente, sobre a quantidade de lixo que produzimos e sobre economia", afirma.
"Precisamos voltar às origens. A arquitetura perdeu sua essência", diz Gitai. "Hoje as pessoas só estão interessadas em produzir belas imagens. As artes também sofrem com isso. O marketing ficou agressivo e se esquece do motivo de as coisas existirem."
Diretor de filmes como "Kadosh" (1999) e "Kedma" (2002), Gitai sempre esteve interessado na simplicidade da vida diária. "O importante é o dia a dia, são as coisas que melhoram a vida das pessoas. Mas às vezes isso sai de perspectiva. Por isso quis retomar esse assunto."
LANÇAMENTO
O museu também será palco do lançamento de "Lullaby for My Father" (canção de ninar para meu pai). O filme acompanha a trajetória de Weinraub, além de suas viagens e da ligação com a Bauhaus, escola de vanguarda de design e arquitetura fundada por Walter Gropius, na Alemanha.
"Essa geração de arquitetos me interessa, porque produziu coisas especiais. Vai ser uma homenagem a meu pai e aos seus colegas."
Pouco depois de Weinraub entrar, os nazistas fecharam a escola. "Então meu pai foi para a Palestina, onde desenvolveu um trabalho de construção de casas para pessoas de baixa renda."
Também é social o tema da primeira mostra do espaço. Programada para setembro, vai abordar as casas populares israelenses construídas a partir dos anos 1940.
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deixou o trabalho de Gitai conhecido no Brasil. O diretor foi premiado com o troféu da crítica em 2002, por "Kedma", e o Prêmio Humanidade pelo conjunto da obra, em 2007.
Por isso é com um tom de pesar que Gitai termina a entrevista: "Sinto muita falta do meu amigo Leon Cakoff [fundador da Mostra, morto no ano passado de câncer]. Mas amo o Brasil. Com certeza, vou voltar."