Entrevista do embaixador Yossi Shelley ao jornal Tribuna do Norte

Entrevista do embaixador Yossi Shelley

  •   Entrevista do embaixador Yossi Shelley ao jornal Tribuna do Norte
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    1. Qual a importância de discutir a dessalinização da água do mar no atual cenário de escassez hídrica potável no mundo?

    Mais e mais áreas em todo o mundo são afetadas pela mudança climática, aumentando o risco de falta de água potável e água necessária para cultivar e garantir segurança alimentar. Descobertas recentes feitas no processo de dessalinização nos permitem reduzir essa lacuna a custos mais baixos do que antes para cidades e países costeiros, bem como para vastas áreas ao redor do mundo, onde depósitos de aquíferos subaquáticos de água salgada são abundantes.

    2. Os exemplos de Israel poderão ser adotados pelo Rio Grande do Norte? Quais as similaridades entre os dois estados que permitirão o uso da tecnologia israelense?

    Com certeza. Israel enfrentou um doloroso dilema - alocar água à agricultura e à indústria ou reduzir o fornecimento. Depois de analisar várias alternativas, como depender de outros estados e importar água em tanques, o primeiro-ministro israelense ordenou que a companhia nacional de água iniciasse um plano de emergência para produzir água potável a partir da nossa faixa costeira. Como Israel, o Rio Grande do Norte está localizado diretamente na costa e tem clima quente. Os dois estados sofrem com secas contínuas e verões longos. A população, no entanto, continua a crescer, levando a um grande aumento do consumo de água.

    3. A partir de quando Israel passou a ser abastecida com água dessalinizada e como se deu o processo de aceitação pela população? Houve resistência? 

    Israel começou a dessalinização em grande escala em 2005, com as grandes usinas as margens do Mediterrâneo. A dessalinização é o fim do processo de evolução do setor da água. Este processo começou há 80 anos, em 1937, com a fundação da Companhia Nacional de Água, Mekorot, 11 anos antes da criação do estado de Israel. Como a dessalinização é a água mais cara, o processo incluiu educação, reutilização de efluentes, aumento da eficiência do setor, diminuição das perdas nas redes (10% atualmente), base legislativa forte, gestão integrada dos recursos em forma centralizada e preços reais e justos para todos os setores. Basicamente, a gestão dos recursos hídricos é um problema cultural, pois Israel está em uma área com escassos recursos hídricos (uma média de 500 milímetros por ano distribuídos em 4-5 meses) e isto faz parte da cultura desde o início do país. Não houve oposição da população, pois o processo foi visto como a evolução natural do setor da água e as pessoas confiam na gestão do setor.

     
    4. Quanto custa, em média, o processo de dessalinização? Onde começa e onde termina esse ciclo? E quem é o responsável pelo custeio? 

    Podem ser dessalinizadas a água do mar ou a água salobra, que tem um menor conteúdo de sal.  Projetos de dessalinização são geralmente realizados de acordo com o modo BOT (Build-Operate-Transfer ou Construção-Operação-Transferência) e, portanto, todos os custos são apresentados por metro cúbico de água produzida. O custo da produção depende de muitos fatores, mas aproximadamente, é dividido em três partes quase iguais: custo da eletricidade e dos produtos químicos, custo das membranas e custo da construção e do custo financeiro. Um fator que influencia muito é o tamanho da planta. Por exemplo, em uma planta que produza 20 milhões m3 por o ano, o preço de m3 será em torno de 1 dólar, como para uma planta que produza 100 milhões m3 por ano, o preço será menor, cerca de 0,75 dólares. Já a dessalinização de água salobra tem um custo muito menor e pode ser cerca da metade dos custos de dessalinização da água do mar. É preciso enfatizar que a dessalinização é um processo que consome muita energia, cerca de 3 kWh por m3 de água do mar produzida.  Além disto, o custo final também depende da qualidade água que deve ser tratada, e a qualidade necessária para o produto. A gestão do setor da água em Israel é centralizada e concentrada na Autoridade de Água e é por esta razão que, apesar da maioria das plantas serem privadas, todo o processo de licitação e contratação é realizado pela Autoridade de Água.
     
    5. Com a água descartada pelo processo de dessalinização, o que pode ser feito? Em quais outros procedimentos ela pode ser usada? 

    Uma grande quantidade de água é descartada no processo de dessalinização. Na água salgada, este montante pode ser de 35 a 45%. Esta água é chamada de "concentrado" ou "rechazo" e se for de dessalinização da água do mar, é enviada de volta ao mar. Ao dessalinizar a água salobra, longe da costa, é necessário fornecer uma solução para o concentrado. Pela sua alta concentração de sais, é possível reutilizar o concentrado apenas para produzir sais ou em alguns casos para criar peixes.

    6. O reuso da água imprópria ao consumo humano pode mitigar, no semiárido potiguar, a mortandade do rebanho por falta de recursos hídricos? Poderemos ter uma nova realidade nesse bioma a partir da adoção da dessalinização? 

    Em regiões distantes da costa, é possível em alguns casos utilizar a dessalinização da água salobra para a agricultura e também para o rebanho. Água salobra também pode ser usada diretamente para irrigar alguns tipos de culturas.

    7. Em relação à produção de frutas tropicais, por exemplo, ela pode ser expandida a partir do reuso da água? Como se dá o controle de qualidade dessa água? 

    Em Israel são reutilizados 85% dos efluentes urbanos para a agricultura. Diferentes qualidades são conseguidas, como águas apropriadas para a irrigação irrestrita e para a irrigação limitada. Com o primeiro tipo de água, é possível produzir todos os tipos de frutas, incluindo frutas tropicais.